quinta-feira, 20 de julho de 2017

Habituado com linhas diretas, brasiliense precisa reaprender a andar de ônibus

19/07/2017 - Pense Mobilidade

Por Rafael Martins

A implantação do bilhete único, incansavelmente divulgado pelo GDF como solução para o transporte, já existe desde 2013 quando a frota de ônibus renovada naquele ano entrou em operação. 

É recorrente o brasiliense reclamar que algumas linhas diretas foram extintas ou tiveram seus horários reduzidos com atendimento apenas no pico. Porém com a chegada da integração temporal, o passageiro terá de reaprender a andar de ônibus no DF. 

Antes mesmo da inauguração de Brasília em 1961, a rede de linhas de ônibus estruturou-se em linhas diretas ponto a ponto partindo de diferentes origens, porém para o mesmo destino. 

A medida em que as cidades e novos núcleos urbanos surgiam, linhas de ônibus foram criadas para acompanhar esse crescimento. Passado mais de 50 anos, a rede de linhas de ônibus é inchada, com mais de mil linhas em operação caracterizada por serviços diretos das regiões administrativas para o Plano Piloto (linhas ponto a ponto). 

Entretanto a estruturação da rede de transporte distrital em linhas diretas justificou-se pelo próprio caráter pendular dos deslocamentos do brasiliense somado a fragmentação do tecido urbano, polarização do Plano Piloto, elevadas distâncias e baixas densidades.  

Sendo uma região de grande porte, o Distrito Federal apresenta um desafio peculiar sob a perspectiva da mobilidade: uma grande variedade de padrões de viagens – pares origem-destino – demandam uma grande variedade de linhas de desejo caracterizado por baixa rotatividade de passageiros ao longo do itinerário o que gera um baixo IPK e um alto custo por km refletindo na tarifa. 

Centenas de veículos de todas as empresas operadoras ficam estacionados junto ao Estádio Mané Garrincha, terminais Asa Sul e Asa Norte das 08h40 às 16h40, aguardando o pico da tarde para retornar à operação. Essa ociosidade dos equipamentos durante parte do dia é uma das causas do alto valor da tarifa, uma vez que, o custo total do serviço, incluindo custos de capital, é rateado pelo número de passageiros pagantes.

Um dos objetivos da racionalização das linhas já iniciada pelo Buriti, é retirar as linhas subutilizadas e trabalhar com um modelo tronco-alimentador seguindo as diretrizes da licitação do transporte em 2011. 

Ou seja, opções que circulem dentro das regiões administrativas para levar passageiros a veículos maiores de uma linha tronco, que segue para outros locais, como o Plano Piloto — a exemplo de como ocorre atualmente no Expresso DF Sul. Com isso, é possível reduzir as viagens deficitárias e minimizar o baixo IPK das linhas e o alto custo por km.

Dessa forma, o passageiro que tenha a intenção de ir para qualquer região do DF pode fazer até dois novos embarques até o destino, no intervalo de duas horas entre cada embarque. Para isso, basta que o usuário utilize um dos cartões do Sistema Bilhetagem Automática.

Apesar de serem mais rápidos e ter um melhor conforto na ótica do usuário, os serviços diretos causam uma sobreposição de itinerários. Isto significa que apesar do ônibus sair de diferentes localidades nas cidades, as linhas utilizam o mesmo sistema viário a caminho do mesmo destino: o Plano Piloto. 

Além disso, os serviços diretos acarretam na baixa produtividade do sistema de transporte, falta de integração operacional e tarifária além de elevados intervalos entre as viagens, principalmente nos entrepicos.

O passageiro habituado com as linhas diretas, ao deparar-se com essa situação de baixa oferta nos entrepicos tem duas opções: ou espera a linha direta que deseja ou recorre ao transporte pirata. Em último caso utiliza dois ônibus pagando uma única passagem para chegar ao destino final, uma vez que alega desconforto na viagem devido ao transbordo e a espera pelo segundo ônibus.

A resistência dos usuários é algo compreensível, uma vez que o brasiliense não tem a "cultura da integração e do transbordo", realidade já em sistemas de outras cidades do país, porém as experiências malsucedidas no passado com a integração reforçam a desconfiança dos usuários com o novo sistema. 

Mesmo existindo a integração temporal, a rede de linhas de ônibus atual é mal articulada; por isso as queixas dos usuários já mencionadas quando utilizam a integração. Todavia, o usuário terá de reaprender a andar de ônibus em Brasília, pois a tendência é a rede de linhas ser enxuta e totalmente integrada.

É o fim das linhas diretas? Não. Se há demanda na origem que justifique a manutenção da linha, ela existirá. 

Porém a racionalização significa um equilíbrio entre os serviços diretos, troncais e alimentadores, que contempla também a implantação de corredores preferenciais e exclusivos, adequação da frota (tipo de ônibus) à demanda; ou seja veículos de maior capacidade nos eixos troncais, veículos normais convencionais nas demais linhas e veículos menores em áreas de baixa densidade. Com isso realiza-se um maior número de viagens e têm-se maior capilaridade do sistema.

Más experiências

O início do sistema de integração deu-se em 1981 através da implantação de terminais fechados em Taguatinga (Taguacenter) e Sobradinho. O terminal de Taguatinga atendia inclusive a linha de Brazlândia. Em função da superlotação dos ônibus, o sistema não foi aceito pela população, sendo mais tarde desativado.

Em janeiro de 2013 a integração temporal e a troncalização da rede foram testadas em Ceilândia e Taguatinga. As linhas circulares (alimentadoras) de Ceilândia e Taguatinga iam até Taguatinga Centro (ponto de integração) e de lá o passageiro pegava as linhas de ligação semiexpressas (troncais) até o Plano Piloto, sem pagar uma segunda tarifa no segundo embarque. 

Entretanto a demora dos ônibus alimentadores e a superlotação das linhas troncais foram alvo de inúmeras queixas dos usuários. Outra reclamação era a obrigatoriedade dos passageiros irem para a Praça do Relógio, além da falta de estrutura e segurança para esperar o segundo ônibus.