Pensado para melhorar o fluxo do trânsito na cidade, BRT se torna pesadelo

13/12/2015 - Correio Braziliense

Um dos legados deixados ao Distrito Federal pela Copa do Mundo de 2014 na área de mobilidade, o Expresso DF (BRT) está longe de ser o que prometiam os governos federal e distrital antes da inauguração da obra, em junho daquele ano. Alvo de uma enxurrada de críticas por parte de usuários, o sistema ainda é falho naquilo que propôs de melhor: a organização do trânsito. Estações na altura do Park Way estão obsoletas e depredadas. Além disso, confundem o passageiro, pois os ônibus não param no local. Como se não bastasse, a licitação para execução das obras e as intervenções no trecho de 42km — que mudou a paisagem entre o Plano Piloto, Santa Maria e Gama — são alvos de duas auditorias do Tribunal de Contas do DF (TCDF), que sugerem, entre outras questões, problemas de infraestrutura e de superfaturamento na aquisição de diversos itens.

Na semana passada, a reportagem do Correio percorreu alguns pontos de parada localizados no canteiro central da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), entre o Núcleo Bandeirante e o Park Way, e encontrou uma série de problemas. Das seis áreas de embarque imponentes, feitas de vigas e telhas metálicas, apenas uma funcionava. Ainda foram encontradas paredes de vidro quebradas e trincadas, cercas de ferro amassadas, grades pichadas. Nem mesmo as catracas foram poupadas. Em uma delas, os fios tinham sido arrancados. O custo médio de cada estação foi de R$ 2,2 milhões.

Na parada Vargem Bonita, ao meio-dia, 12 lâmpadas estavam acesas. Painéis de informação defeituosos tornavam difícil a tarefa de ler o itinerário. Vazamentos e lixo espalhado também faziam parte do cenário. Uma estação adiante, no sentido Santa Maria, o quadro se repetia. Nenhum funcionário cuidava do local e não havia vivalma aguardando o transporte. Somente na próxima estação, Granja do Ipê, um vigilante estava presente. O GDF argumenta que as estações na altura do Park Way ainda não estão aptas para receber passageiros, porque aguardam licitação para garantir a segurança e a limpeza dos espaços. Informação que o encarregado de obras Edcarlos de Barros, 35 anos, precisou descobrir sozinho. Na última terça-feira, ele esperava condução em uma das paradas de concreto na lateral da pista. "Nunca vi o BRT parar nessas paradas do meio. Um gasto totalmente desnecessário, tudo em vão”, reclamou.

O auxiliar de despachante Ellisson Barbosa Matos, 40 anos, engrossou o coro: "Os únicos ônibus que passam pela Epia fazem isso pelos antigos pontos. Se inventar de esperar nos do centro, por lá fico. Nem funcionário eles têm”, disse. Matos depende do transporte coletivo para ir ao trabalho. Para isso, precisa pegar três ônibus. Ele afirma que, antes das obras do BRT, pegava apenas uma condução e era mais rápido.

Insegurança

A dificuldade de transporte no local é tamanha que alguns passageiros relatam a presença de piratas. Um trabalhador do Park Way, que preferiu ter a identidade preservada, é testemunha ocular desse trânsito. "O movimento começa a partir das 17h. Quem se recusa a arriscar o transporte clandestino tem que aguardar um ônibus para o Entorno, pagar R$ 4,75 para chegar a algum ponto e, de lá, seguir para o destino final, algumas vezes, pagando ainda mais”, revelou.

Outra reclamação recorrente por parte dos passageiros é a diminuição no número de linhas que passam pela Epia. A empregada doméstica Aparecida de Sousa, 32 anos, conta que, após a mudança, a ida para casa ficou mais difícil. "A solução é esperar um coletivo para Santa Maria, mas nem todos os veículos estão parando, de tão lotados. Eu estou esperando há um tempo. Já passaram dois e não pararam”, criticou. Assim como Edcarlos, ela aguardava um coletivo em uma das paradas de ônibus na lateral da pista.

Desperdício

Não somente as paradas novas e velhas coexistem ao longo da Epia. O mesmo ocorre com duas passarelas, a poucos metros de distância uma da outra — foco da maior curiosidade por parte de quem passa pelo trecho. Uma segue moldes antigos e a outra, a atual padronização. Especialistas entrevistados pela reportagem afirmam que, em alguns casos, é possível reaproveitar antigas plataformas.

O diretor-técnico do Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), Marcio Antonio de Jesus, explica que, embora as obras civis nas estações do Park Way tenham sido concluídas, operacionalmente o terminal não está à disposição. "Esse sistema foi licitado em 2011 e está sendo implantado. Temos que inaugurar mais algumas estações, instalar roletas, fazer os últimos ajustes. Estamos trabalhando para que isso seja colocado em funcionamento”, disse. Ele afirma que o órgão sabe dos problemas estruturais das estações, mas que isso ficará a cargo da empresa que executou a obra e não haverá gasto por parte do GDF. O Correio também entrou em contato com o governo federal para responder às críticas com relação ao BRT, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

"Os únicos ônibus que passam pela Epia fazem isso pelos antigos pontos. Se inventar de esperar nos do centro, por lá fico. Nem funcionário eles têm” - Ellisson Barbosa Matos, auxiliar de despachante

Transtornos

Além de mudar a paisagem, as obras para a construção do BRT causaram muitos transtornos aos motoristas. Por diversas vezes, trechos foram bloqueados e o trânsito precisou ser desviado por vias marginais.

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