Crise no transporte do DF exige reformulação na gestão, dizem especialistas

06/02/2015 - Correio Braziliense

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Vídeo mostra martírio do cidadão que depende do transporte público no DF - Correio Braziliense

Os problemas do transporte público no Distrito Federal são velhos conhecidos dos mais de 1 milhão de passageiros. A cada troca de governo, porém, renova-se a esperança de melhorias no sistema. Os usuários sabem o que é necessário para tornar mais agradável o caminho até o trabalho ou a volta para casa. Especialistas ouvidos pelo Correio são categóricos ao defender uma mudança na gestão do transporte. Sem ela, garantem, a compra de novos ônibus e a implantação do BRT ou VLT, por exemplo, terão pouco efeito no dia a dia dos usuários.

A reportagem esteve na Rodoviária do Plano Piloto e em cidades como Ceilândia e Santa Maria para ouvir da população quais são os principais problemas para quem pega ônibus ou metrô diariamente. Relatos, publicados em reportagem ontem e hoje, descrevem atrasos, empurra-empurra e coletivos lotados. A manicure Olga Maria dos Santos, 40 anos, moradora de Santa Maria, acreditava que a chegada do BRT melhoraria a qualidade do transporte público na cidade. Mas a implantação do novo modelo trouxe desorganização, demora e falta de infraestrutura. Ela se queixa, principalmente, do tumulto para embarcar nos ônibus articuladores. "O intervalo entre um e outro é enorme, e a gente chega a esperar até 40 minutos. O BRT não é aquilo tudo que anunciaram. Só duas estações funcionam, nem informações conseguimos direito", reclama. Olga teme que a situação piore quando a passagem começar a ser cobrada.

O auxiliar administrativo do Banco Central Paulo Henrique Muniz dos Santos, 23 anos, afirma que o tempo de viagem para Santa Maria diminuiu em razão da faixa exclusiva do BRT. Mas, segundo ele, não há estrutura adequada para o Expresso DF funcionar de forma adequada. "Todo o sistema é mal organizado, os passageiros ficam perdidos, as estações funcionam e não existe qualidade. Do que adianta ter o BRT sem organização? Precisa de investimento", observa.

Para o pesquisador associado do Centro de Formação em Transportes e Recursos Humanos (Ceftru) da Universidade de Brasília (UnB) Flávio Dias, é preciso uma remodelagem no sistema. Ele defende a integração e sugere formas de subsídio para tornar a qualidade do serviço melhor sem aumentar a tarifa. Dias acredita que se deve aumentar a frequência das viagens nas linhas para o passageiro ter mais conforto. Mas isso gera um custo. "Há várias maneiras de montar essa equação financeira. Pode haver um subsídio cruzado e o governo passar a cobrar pelo estacionamento em algumas das áreas, por exemplo." O pesquisador afirma que a tarifa zero não é viável e fica muito caro para o governo bancar essa conta.

Melhorias passam por modernização, diz Carlos Henrique Tomé, Secretário de Mobilidade Urbana

Diante de um caixa com dívidas e saldo negativo, o primeiro mês à frente da Secretaria de Mobilidade Urbana serviu para o responsável pela pasta, Carlos Henrique Tomé, resolver problemas emergenciais e fazer com que o sistema continue a funcionar. O principal gargalo em toda a rede de mobilidade urbana do DF é a operação do sistema. Precisamos reduzir o custo operacional, mas de uma maneira planejada, com toda a infraestrutura indispensável e com um plano de comunicação eficiente para que a população não seja surpreendida, diz. Para Tomé, investir em transporte coletivo é a saída para resolver o problema de trânsito na cidade, mas o sistema precisa ser atrativo, seguro, de confiança, de qualidade e pontual.

Metrô

A melhoria na operação do sistema depende da modernização, que não foi feita nas últimas décadas. A manutenção é realizada, mas os trens e o sistema de controle são muito antigos. É necessário aumentar a frequência de viagens, a confiabilidade e a segurança. E isso depende de trens novos e de uma mudança tecnológica no circuito de controle do sistema. Vamos expandir o metrô e criar duas estações em Ceilândia, duas em Samambaia e uma na Asa Norte, em frente à Galeria do Trabalhador, que dará acesso ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran). As obras começam ainda este ano e serão financiadas com recursos federais. Também vamos elaborar projeto para o metrô chegar até o fim da Asa Norte.

Sistema rodoviário

No sistema rodoviário, o gargalo também é na operação. Mas temos um problema ainda maior que precisa ser resolvido logo: a questão financeira. Como o sistema é deficitário, há uma dívida acumulada que herdamos do governo passado. A arrecadação não é suficiente para arcar com todas as despesas e, hoje, o aporte orçamentário no DF é muito complicado. Nosso desafio é conseguir recursos para pagar as operadoras de ônibus e as cooperativas. Assim como no metrô, precisamos melhorar a operação do sistema, colocar ônibus com maior frequência, aumentar a segurança, a confiabilidade e as informações. A informação é fundamental para o usuário e para a otimização do sistema. A melhoria da qualidade de prestação do serviço passa por uma série de mudanças operacionais, como a otimização de linhas e de horários para aumentar a frequência sem a necessidade de aumentar a quantidade de ônibus. Vamos ouvir a população também para saber quais são as necessidades dela, onde está e para onde quer ir, a que horas e com que frequência, além de elaborar estudos técnicos.

Tarifa

Existem dois tipos de tarifa: a de usuário, paga pelo passageiro, e a de remuneração dos operadores. Essa última está relacionada ao custo operacional, tem a ver com salário dos rodoviários, insumos de óleo diesel, pneu e custos administrativos da empresa. O sistema arrecada um valor, custa outro e a diferença é paga com subsídios governamentais. Essa diferença tem ficado cada vez maior. Estamos fazendo um levantamento para ter conhecimento dessas informações e, a partir delas, propor um debate com a sociedade. Qualquer reajuste ou reequilíbrio financeiro do sistema exige duas vertentes: a redução da despesa e o aumento da receita que vem da tarifa do usuário. O aumento da tarifa é apenas um dos cenários possíveis, mas não está definido.

Integração

Há três tipos de integração: a física, quando um ponto de ônibus está perto do outro e o passageiro não precisa andar muito; a operacional, aquela em que as linhas são desenhadas para que a pessoa cheguem o mais rápido possível ao destino; e a tarifária, que é o bilhete único. A integração já existe, mas é muito incipiente. Hoje, só a tarifária, sem as outras modificações, prejudica o equilíbrio financeiro do sistema. Essas equações precisam ser muito benfeitas, pois precisamos melhorar a qualidade de vida das pessoas e do transporte, mas sem induzir a um rombo cada vez maior no caixa do governo.

BRT

O BRT tem alguns problemas que precisam ser sanados. Ele não foi implantado de uma maneira articulada com o restante do sistema. Precisamos transformar uma obra de engenharia em uma obra de mobilidade e fazer com que comece a funcionar comercialmente. A ideia é que ele seja integrado com as demais linhas de ônibus e com todos os modos de transporte. Esse é o desafio.

VLT

Nós temos recursos para a obra do VLT, que liga o aeroporto ao terminal da Asa Sul, próximo à 1ª Delegacia de Polícia Civil. De lá até o terminal da Asa Norte, que ainda não existe, via W3 Sul e Norte, ainda está em fase de projeto. E isso vai demandar uma série de definições que estão relacionadas ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Com relação à primeira obra, estamos reavaliando a necessidade dela porque havia uma necessidade maior para a Copa do Mundo. No programa de governo de Rodrigo Rollemberg (PSB), estão previstos outros dois VLTs, mas ainda estão em fase preliminar de estudo e pode ser que, após essa análise, a conclusão mostre a necessidade de outra tecnologia. A ideia é que um deles seja do Sol Nascente ao Riacho Fundo 1 e o outro saia da antiga Rodoferroviária e vá até a Esplanada dos Ministérios, com derivação para o Sudoeste, o Setor de Indústrias Gráficas (SIG) e o Cruzeiro.

Licitação

Foi um passo importante porque não havia um contrato em que se pudesse cobrar as responsabilidades e o desempenho das empresas de ônibus. Quando os ônibus novos chegaram, não foram implantados em um sistema novo. Pelo contrário. O sistema é velho tem mil linhas de ônibus. É a quantidade aproximada da cidade de São Paulo, que tem uma população muito maior. O sistema velho demanda 3,5 mil ônibus e o novo, 2,5 mil. Por isso, a conta não fecha. O governo comprou 2,5 mil ônibus para implantar em um sistema que precisa de 3,5 mil. Diante dessa situação, faltam mil ônibus e a população sente. A solução é implantar o sistema novo, como previsto no edital da licitação. Precisamos de melhorias técnicas e operacionais para aumentar a disponibilidade de ônibus sem a necessidade de aumentar a quantidade.

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