Ônibus circulam na ilegalidade pelas ruas


MP questiona na Justiça o fato de 70% da frota operarem sem licitação, o que contraria a legislação

Noelle Oliveira - Correio Braziliense
Publicação: 28/07/2010 05:53 Atualização: 28/07/2010 06:26
Cerca de 70% dos ônibus que circulam no sistema de transporte público do DF não são licitados. O número, estimado pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT), equivale a aproximadamente 2,1 mil coletivos que estão nas ruas à revelia do que determina a Constituição Federal de 1988 e a Lei Federal nº 8.987, de 1995, que trata sobre a concessão de serviços públicos e obriga o procedimento licitatório. Ao todo, o Transporte Urbano do DF (DFTrans) tem cadastrados 2.979 ônibus e micro-ônibus em circulação. Desses, apenas cerca de 900 passaram por licitação. Parte disso se deve ao fato de a lei ter entrado em vigor depois que muitas das empresas já atuavam na capital. Desde então, elas mantêm as concessões com base em prorrogações dos contratos, à revelia da nova regulamentação jurídica.

Para tentar resolver o impasse, o MPDFT move uma ação na Quarta Vara da Fazenda Pública do DF para que a frota seja regularizada. O processo, que ainda corre na Justiça, já teve sentença preliminar favorável, que determinou prazo, ainda não formal, de até 180 dias, a contar da decisão final, para que seja promovida a legalização. “A regra constitucional é a de que a contratação com o serviço público é feita por meio de licitação, restando claro nos autos que a maior parte dos ônibus que exploram o transporte público no DF o faz sem ter sido selecionada por meio de concorrência pública. Ou seja, suas concessões são precárias, estão caducas e devem ser consideradas ilegais”, considerou o juiz, em sua avaliação preliminar.

Ao todo, existem no DF 12 empresas de transporte coletivo integradas ao sistema convencional. Elas estão divididas em dois grandes grupos: Constantino e Canhedo, que detêm quase 80% de toda a demanda. A Viplan, de propriedade de Wagner Canhedo Filho, nunca passou por um processo licitatório. A Viação Planeta encarou concorrência pública, em 1991, para colocar em circulação um lote com 30 veículos. Outras empresas, como a São José, Riacho Grande, Rápido Brasília e Veneza, passaram pelo mesmo processo, em 1997, para operar 270 ônibus. Os 450 micro-ônibus que circulam no DF também são todos licitados, bem como os 160 de cooperativas. “Ter licitação, no entanto, não é suficiente. É preciso que todo esse processo seja benfeito, com base em um estudo atual da situação do DF e que promova a competitividade entre as empresas, evitando a formação de oligopólios, como ocorre hoje”, avaliou o promotor Ivaldo Lemos Júnior, da Promotoria de Patrimônio Público.

Também corre na Justiça um pedido do MP para a extinção da permissão da Viplan. No processo, além de um grande número de reclamações anexadas pelos usuários do sistema de transporte, estão também várias infrações (1) cometidas pela empresa e faturas de multas não pagas. “As pessoas alegam que essas são empresas tradicionais em Brasília, que não podem deixar de rodar, mas não é assim que funciona. Do mesmo jeito, o Ministério Público não pode resolver sozinho todos os problemas relativos ao transporte público, é preciso que o governo se mobilize”, ressalta o promotor, responsável pelas duas ações contra as empresas.

Lucro
Procurado, Wagner Canhedo Filho não retornou as ligações. A assessoria de imprensa do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo do DF (Setransp-DF) disse que nenhum representante da entidade iria comentar sobre as ações do MP bem como se manifestar sobre relatório apresentado na segunda-feira pelo GDF. No estudo, o governo mostra que, apesar de os empresários alegarem que operam com um deficit de 28%, as concessionárias estariam registrando uma margem positiva de 3,11% na arrecadação. De acordo com a assessoria do Setransp, a entidade ainda não foi comunicada dos números levantados pelo Executivo local.

Para o especialista do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Transporte da UnB Flávio Dias, a discrepância dos dados deve-se ao fato de o GDF não ter controle algum do sistema de transporte da capital federal, dependendo exclusivamente do embasamento fornecido pela própria categoria. “O que eu acho estranho é discutir o custo do transporte sem ter informações. Dados fornecidos pela empresa viram oficiais, mas o governo não tem essa informação para si mesmo. Em consequência disso, o usuário também não tem informação”, destaca Dias.

Segundo ele, o ideal seria que um sistema fosse criado para controlar o transporte público do DF. Com isso, o próprio governo teria condições de calcular a tarifa mais adequada para a unidade da Federação — a do DF é uma das mais caras do país, ficando, em média, em R$ 2,50. ”Atualmente, o GDF só pôde analisar o valor dos insumos gastos pelas empresas. O governo não tem a menor ideia de quanto custa, de fato, a operacionalização do setor”, avaliou.

1 - Autos
De acordo com relatório do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), entre janeiro de 2004 e setembro de 2008, dos 33.902 autos de infração emitidos contra as empresas de ônibus do DF, apenas 34,8% tiveram processamento concluído. Em contrapartida, nenhuma multa foi paga.

O que diz a lei


A Constituição Federal de 1988, no artigo nº 175, estabelece a obrigatoriedade de licitação para a concessão dos serviços públicos, tendo a Lei Federal nº 8.987/95, no artigo 43, extinguido todas as outorgas concedidas antes da entrada em vigor da Carta Magna. Assim, aquelas empresas que desenvolviam suas atividades por intermédio de outorgas tiveram quase uma década para se adaptar e poder participar das obrigatórias licitações. Além disso, a Lei Distrital nº 2.560, do ano de 2000, estabeleceu o prazo de até 280 dias para deflagrar os processos de licitação em todo o DF, o que não foi cumprido por grande parte das empresas de ônibus. Ainda de acordo com a Lei nº 8.987/95, a contratação ou a concessão de serviços públicos são feitas por meio de licitação, que tem início com a publicação de um edital para a realização do certame. As concessões não adequadas à legislação são consideradas precárias e ilegais.

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