Transporte de Vizinhança

Zebrinha circula pela cidade em decadência

Usuários do Serviço Especial de Vizinhança reclamam da situação dos ônibus: sujos, mal conservados e sempre lotados


Raphael Veleda - Correio Braziliense - 10/10/2009

 
Zebrinhas em frente ao ponto de ônibus da 504 Sul: empresas prometem trocar 33 veículos até o fim deste mês na tentativa de melhorar o serviço prestado aos usuários

Elas nasceram como sinônimo de sofisticação no transporte público na década de 1980. Simpáticos, confortáveis e práticos, os Zebrinhas, veículos do Sistema de Serviço Especial de Vizinhança, convidavam o brasiliense a deixar o carro em casa para circular pelo Plano Piloto, pagando uma passagem que era quase o dobro da cobrada pelo ônibus convencional. Hoje o glamour é coisa do passado. Mal conservados, sujos e lotados, os micro-ônibus de câmbio automático e sem cobrador perderam o charme. 

São 93 veículos em circulação pela capital. As empresas responsáveis pelo sistema, Lotaxi e Condor, ambas parte do grupo da Viplan, de Wagner Canhedo Filho, não informam quantos são novos, mas prometem trocar 33 até o fim de outubro. Enquanto isso, boa parte dos zebrinhas circulam “caindo aos pedaços”. 

A reclamação é de um pioneiro de Brasília: o dono de funerária Aldo da Costa Monteiro, 69 anos, que chegou em 1961, 20 anos antes da estreia dos zebrinhas(1) nas ruas da capital. “Era coisa chique. Hoje não, é apenas mais um instrumento para desrespeitar o idoso”, critica ele, que cobra do sistema o cumprimento do Estatuto do Idoso. “Eu reclamei via e-mail com a Secretaria de Transportes, mas eles responderam dizendo que esse é um serviço especial, executivo e que por isso pode ser exceção. Mas eu não vejo mais nenhuma diferença entre eles e os ônibus ou, principalmente, os micro-ônibus que circulam nas outras cidades”, argumenta. “Fazem os mesmos trajetos, andam lotados, com gente em pé e cobram a mesma tarifa. Onde está a diferença?”, questiona o homem, que faz diariamente o trajeto entre sua casa, na Asa Sul, e o trabalho — oito quadras à frente — pelo transporte público. 

Manutenção 
A implicância do padeiro Eduardo Anis Silveira, 40, é com o estado dos veículos antigos, alguns com mais de 10 anos de uso. “O problema é que não fazem a manutenção neles. Olha aqui: tudo pichado, tudo sujo. Já subiu até barata em mim em um desses”, comenta o passageiro da linha 16, que vai da 712 Norte até a Esplanada passando pelo Conjunto Nacional, na qual o Correio embarcou na manhã da última segunda-feira. Eram quase 11h e o ônibus encheu antes do meio da W3 Norte. Na altura do Brasília Shopping, era quase impossível o trânsito dos passageiros, visto que a porta da frente serve de entrada e saída. 

 
Volante remendado: motoristas criticam as condições de trabalho 

A maioria dos ocupantes só desce do veículo no ponto final — onde já há uma fila esperando. “Já houve o tempo em que as pessoas deixavam os ônibus passarem e esperavam os zebrinhas pelo conforto. Hoje é tudo a mesma coisa”, comenta a assessora jurídica Andrea Carlos Alvarenga, 50. O Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo do DF informou, via assessoria de comunicação, que os veículos são lavados diariamente e passam por uma limpeza profunda nos fins de semana. 

Sem banheiro 
A tristeza com a decadência do serviço contagia os funcionários das empresas. Sem direito a terminais próprios, motoristas e fiscais não têm água para beber nem banheiro para usar na Asa Norte. Lá, o terminal improvisado fica no estacionamento de uma escola na Quadra 412. O fiscal usa uma mesa metálica, daquelas de bar, e os motoristas sentam em latas e pedras. “Uma vez fizemos uma barraquinha de lona, mas a administração mandou desmanchar no outro dia”, afirma o fiscal Josemar José Francisco. “Se chove, temos que correr para debaixo do bloco residencial, mas dia desses o síndico nos proibiu de ficar lá”, lamenta. Os pilotis são considerados áreas públicas, não cabendo aos porteiros, moradores ou síndicos o poder de decidir sobre o direito de ir e vir das pessoas. 

 
Lataria danificada: usuários reclamam da idade da frota em circulação 

Na Asa Sul, entre as quadras 216 e 416, os ônibus ficam parados nas vagas em frente ao Posto Comunitário de Segurança e existe um escritório improvisado na parada de ônibus. “Temos banheiro também aqui do lado, mas é um só. As mulheres, claro, são prejudicadas, ficam constrangidas. Eles têm que parar o ônibus em algum lugar, normalmente em postos de gasolina”, diz o fiscal Eduardo Ferrari. 

Mudanças no sistema, que podem melhorar o serviço para os usuários e as condições de trabalho dos motoristas, são estudadas pelo governo. Para o secretário de Transportes, Alberto Fraga, há um desvio na finalidade dos zebrinhas. “Vamos reformular totalmente o sistema. Queremos que os zebrinhas façam o trabalho que foi imaginado: o transporte de vizinhança”, adianta ele, que não dá prazos, mas já explica o que deve ser feito. “Elas vão parar de competir com os veículos maiores na W3. Vão andar pela W1, pelas quadras e entrequadras. Será um trajeto interno”, afirma. O secretário garante ainda que o serviço não será extinto. 

Microônibus lotado é cada vez mais comum: glamour é coisa do passado 

Uma possibilidade que assusta os admiradores dos zebrinhas. A aposentada Edinéia Bezerra, 72, adotou o transporte em 1981, quando ele foi lançado pelo governo de Aimé Lamaison. “Eu atendi ao chamado do governo. Troquei o carro pelo zebrinha e nunca me arrependi”, lembra ela, que abre mão da gratuidade(2) para andar nos micro-ônibus. “Com certeza o serviço piorou. Mas os motoristas ainda são atenciosos e o zebrinha entra nas quadras; faz coisas que os ônibus grandes não fazem”, comenta. “O que se tem que fazer é incentivar, para que melhore. Acabar, por favor, nunca”, pede. 


1- Pesquisa 
O nome zebrinha se deve às listras características da pintura dos micro-ônibus do Transporte de Vizinhança, pintadas em branco e vermelho — puxando para o laranja. O apelido carinhoso foi dado pela população de Brasília, por meio de uma pesquisa pública na época do lançamento do sistema. 


2- Idosos 
Em seu artigo 39, a Lei nº 10.741/03 garante a quem tem 65 anos ou mais o direito de andar de graça nos transportes públicos urbanos e semi-urbanos, “exceto nos serviços seletivos e especiais prestados paralelamente aos serviços regulares”. É nisso que as empresas e o governo se prendem para garantir a cobrança universal da tarifa no zebrinha. 




Para saber mais - início em 1981
O serviço dos Zebrinhas foi instituído em julho de 1980, pelo então secretário de Serviços Públicos, José Geraldo Maciel, atual chefe da Casa-Civil do GDF. O ex-governador Aimé Lamaison assinou o decreto possibilitando o início da operação no ano seguinte. Na época, a passagem de Zebrinha, lançada como um transporte executivo, custava 40 cruzeiros enquanto a tarifa da TCB era 25 cruzeiros. 
O serviço só é oferecido no Plano Piloto, Aeroporto, Sudoeste e Octogonal de segunda a sexta-feira. Hoje, a tarifa é similar à dos ônibus convencionais, mas quase sempre foi superior, dando ao sistema uma VIP. Atualmente, andar de zebrinha custa R$ 2.

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