Vendem-se sucatas

Desde 2001, a TCB e o DMTU perdem fontes de renda, o que coincide com a intenção do GDF de privatizar a empresa e terceirizar as funções do órgão. A estatal ficou sem suas principais linhas e recorre ao canibalismo para manter a frota

29/01/2002
Renato Alves
Da equipe do Correio


Ronaldo de Oliveira
Ônibus novo ao lado de antigos na rodoviária do Plano Piloto: frota em operação da TCB caiu de 66 para 44

Há mais de um ano, o governador Joaquim Roriz anunciou a privatização da Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB) — a estatal de ônibus — e a extinção do Departamento Metropolitano de Transportes Urbanos (DMTU). A idéia foi aprovada pela Câmara Legislativa. A partir daí, os órgãos perderam suas fontes de renda e passaram a dar mais prejuízos ao governo.
No caso da TCB, o governador já sancionou dois decretos. Um deles, no final de dezembro, autoriza o repasse das linhas da estatal à iniciativa privada por meio de uma concessão de 30 anos. No outro, assinado no início de janeiro, está prevista a venda de todo o patrimônio da empresa, o que inclui as garagens, móveis, ônibus e linhas.
Desde que Roriz anunciou a privatização da TCB, o quadro se agravou na empresa. As suas melhores linhas foram passadas para empresas privadas, como a Expresso São José e a Viva Brasília, do senador Valmir Amaral (PMDB). Com isso, nos últimos 12 meses o número de ônibus em operação caiu de 66 para 44. O prejuízo em 2001 passou dos R$ 4,5 milhões. A dívida com fornecedores é de R$ 2 milhões. Sem comprar pneus e peças para os ônibus, a saída para consertar os veículos é tirar o que é aproveitável da frota da própria empresa.

Gastos
Contrariando o quadro financeiro negativo, o diretor presidente da TCB, Manoel Neto, não economiza nos gastos. No ano passado, ele comprou três carros — dois Santanas e um Gol — para a diretoria por R$ 47 mil. Além disso, construiu auditório e consultórios médicos e dentários novos, apesar de existirem outros maiores na sede da empresa. Estes acabaram desativados.
Neto também não economizou com o funcionalismo. No último ano, ele aumentou o número de cargos de confiança de 42 para 47. Esses funcionários ganham, juntos, R$ 100 mil por mês, um quarto do que a empresa arrecada.
Entre os funcionários está a irmã mais velha do presidente da TCB, Cátia Costa de Oliveira, que ganha R$ 2.819 no cargo de chefe de assessoria de planejamento. Desde o decreto assinado em dezembro, o GDF assumiu cerca de 1.000 funcionários — a maioria contratada sem concurso público — e uma folha de pagamento de quase R$ 1 milhão.
Mesmo com o quadro caótico, está prevista uma festa na TCB em março. O evento marcará a despedida de Manoel Neto, que deixará o cargo para concorrer a uma vaga na Câmara Legislativa pelo Partido Trabalhista Cristão.
Neto se recusou a dar entrevista. ‘‘Esses números são mentirosos’’, respondeu, sem apresentar os dados que considera reais. As informações a que ele se referiu fazem parte dos balancetes da TCB de janeiro a novembro de 2001, assinados pelo próprio Neto.


Menos dinheiro, mesmos gastos

O decreto que terceiriza as funções do Departamento Metropolitano de Transportes Urbanos (DMTU) foi assinado pelo governador Joaquim Roriz em 5 de maio de 2001. A responsabilidade pela administração e fiscalização do sistema de ônibus da cidade passaria para a Agência Reguladora de Serviços Públicos, autarquia vinculada ao GDF que até hoje só existe no papel.
O DMTU amarga prejuízos desde janeiro de 2001, quando uma lei distrital terceirizou a venda de vales-transportes, uma das fontes de renda do órgão, que ficava com 3,68% do valor arrecadado pelas empresas. O DMTU deixou de receber R$ 750 mil por mês.
Desde então, o DMTU sobrevive de verbas suplementares do governo. ‘‘Este departamento vem atravessando dificuldades devido à perda temporária de sua principal fonte de receita’’, admite o chefe de gabinete do DMTU, Moisés Santos Araújo, por meio de fax enviado ao Correio. Mesmo sem verba e com a diminuição de atribuições, o DMTU não reduziu o número de funcionários — cerca de 200.

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